terça-feira, 30 de abril de 2013

Eutanásia de classe



Pelo menos que a minha classe/ desse/
para cometer suicídio,
Mas temos tanto de nada a perder
Que nem isso é opção/
Não/
passo laminas no pulso
Ainda que já haja pouca razão/
P’ra cerrar o punho e levantar a mão/
Classe moribunda só pode pedir eutanásia de classe/ 
Deixa me morrer em paz/
Deixa-me rumar a Sul e Este,
em paz/
Deixa, nunca me deste,
a paz/
Mesmo que a morte p’ra ti não preste,
é paz/
Deixa me partir para uma nova vida em paz/
Desliga a maquina, nesta vida respiro com assistência , quem já me matou não me deixa morrer em paz/

Homicidas da minha  classe 
Dão-se ao luxo  de cometer suicídio de classe/
Sem acabar com o 
Genocídio de Classe/
Etnocidio de classe/
O Sociocidio de classe/ 
Reclamam-me Solidariedade de classe/
Dizem que estamos todos no mesmo barco
Sim, só que o barco tem contorno de navio negreiro e eu viajo no porão
Nem sequer em 2a classe/
em classe económica ou turística/
Viajo sem classe/
P’ra q’esta classe 
Chegue a bom porto/
Nem q’eu acabe atirado ao Atlântico ou chegue morto/
Nem que vá de alforria em inclusão, cambaleando, torto/

Eu vejo de que classe/
sou
No aeroporto/
onde por mais passaporte que tenha nunca tenho certeza que passe/ 
Pois a minha fronteira é a cor que trago comigo,
e a cor que trago comigo vai comigo
onde eu vou
É para ela que se olha antes de se saber  de que classe
sou/

Esta velha tem falta de classe/
Por mais que tenha classes em luta/
E todas essas classes em luta/
Param e unem-se para explorar a labuta/
da minha classe/

Eu ponho fim a esta vida pois acredito numa vida melhor/
Sem ser a sub-classe/ da classe/ que reclama o suicídio de classe/
da burguesia mas não me quer na sua classe/
pois a minha libertação seria o homicídio da sua classe/
Cujo padrão de vida vem do genocídio da minha classe/ 

Mas essa classe nasceu matando a minha/ atando a minha/
aos seus campos de café, açúcar, cacau e algodão/
essa classe que acumulou capital com o lucro do meu sangue e suor,
da minha vida,
Essa classe que se tornou trabalhadora sem meios de produção/
que encontrou lugar na fabrica que transformou a matéria prima extraída/ com o meu sangue e suor/ a minha vida/
Fiquem com a minha vida/
o meu sangue, corpo, o vosso capital/ 
material/
Desmaterializado vou para ESTE, SUL, sem sinal, vital/
Vitalizado por não ser mais fracção do teu total/ classe/
Vou para onde ainda não sabes tirar partido, e daqui ficaras em impasse/
Vou sem passaporte, sem passe, sem ninguém que me diga passe,
Para a minha alma,
Que não cabe no teu porão, senzala ou prisão,
Na minha eutanásia de classe
Onde não poderás obrigar a viver na tua falta de classe/

Sr. Preto
Lisboa, Fevereiro 2013


quinta-feira, 25 de abril de 2013

Cornucopia (foi-se a abundancia, ficou o corno)


Cornucópia.
Culto à natureza,
Pela dádiva
Pela prosperidade concedida
À vida, ávida
Grávida,
Dessa fertilidade feminina, pagã
Natura, antes dessa ruptura, da maçã
A tal proibida.
Prosperidade retribuída,
na oferenda simbólica da  abundância servida,
no corno/
Mas levaram a abundância ficou o corno.
Foi-se. Ficou o adorno. A abundância foi-se.
Secaram as searas em meu torno. Pousei a foice.
Foi-se a fábrica guardei o martelo, desapertei o torno. Oiç-o
Roncar do estômago do meu futuro onde
Escasseia o fermento e a farinha e já não acendo o forno. Foi-se.
Sem dia de retorno. O pão foi-se. Já não oiço
O barulho feliz das crianças no baloiço. 
Foi-se. Ficou o transtorno. A inocência foi-se.
E ela vem veloz de preto sem rosto arrastando a foice.
Mensageira da economia de palas grande que nos deu o coice.
Mula, burra, besta, deu-me o coice. A beira do abismo consegue dar o passo em frente
E foi-se. A esperança e de verde ficou apenas um recibo sem isenção.
Enquanto imigra quem pode, Marcho com indignação
Numa avenida de sentido único e sinais de proibido virar a direita,
Foi-se a liberdade que nunca cá parou.
Foi-se a igualdade que nunca se mostrou.
Foi-se a dignidade que nunca se expressou.
Foi-se a união que nunca se mostrou
a bandeira rasgada a meia haste deixa cair, do seu fundo azul
Estrelas amarelas que são levadas pelas chuvas para longe do norte
E dão à costa no mediterrâneo. Foi-se
O sonho da comida rápida, do tempo portátil,
Da vida descartável, do saber espontâneo.
Foi-se o sonho americano, made in china, aprovado pela UE com crédito instantâneo. 
Num mapa sem essência e vago contorno.
Foi-se a abundância. Deixaram o corno. 

Sr. Preto
(escrito para o booklet de chanson noir em Dezembro de 2011)

Em Abril m-aguas mil


Em Abril m-aguas mil
trago-as mil
afogo-as nas mil
águas das memórias mil
do martelo e da foice
foi-se a liberdade e ficou o dia
do martelo que já não bate
da foice que nao ceifa, da cantiga
que não pia a não ser naquele dia
(...) de abril

abril m-aguas mil
trago-as mil
afogo-as nas mil
águas das lágrimas mil
de quem a fome ameaça ser vil
servil nação onde pão lê-se sem
til. Lê-se pão (dos políticos cara
de pau, daquele euro que é o
dobro de cem paus, dos polícias
que descarregam pau, num povo
agarrado ao pau) de abril

abril m-aguas mil
trago-as mil
afogo-as nas mil
águas das caras mil
de quem a luta ameaça-se febril
fabril nação localizada depois
um des lê se deslocalizada (das
fábricas, das decisões, das divisas
que se abatem sobre a terra
a-parentesis-en-terra a quem as
cultiva. Lê-se enterra a quem as
cultiva (das couves que são
de Bruxelas, do alho que é francês,
do presunto de baionne, das
salshichas de Frankfurt e um bouquet de flores de
Holanda) para enterrar abril

Abril m-aguas mil
trago-as mil
afago-as nas mil
aguas das cores mil
desse arco iris pouco primaveril
das cores que se debotam de
significado
do verde sem esperança debitado
no recibos
num laranja por do sol da
liberdade
num rosa anoitecer da justiça
e num vermelho derramar da
igualdade
e um azul e amarelo renascer do
patriotismo Salgado e azarado
acinzenta-se o tempo para este
1º de Maio, e rejuvenesce-se a
fúria do dez de junho
dum país que cortou os pulsos
mas esforça-se para erguer o punho

Abril m-aguas mil
trago-as mil
afogo-as nas mil
muitas mil que nesse dia
estarão nas ruas da amargura
celebrando abril

Sr. Preto 
Lisboa 13 de Janeiro de 2012